Em janeiro de 2022, o craque Neymar gastou a bagatela de R$ 6,2 milhões para comprar dois NFTs (tokens não fungíveis) da coleção Bored Ape Yacht Club (BAYC). Olhando em retrospectiva, foi o ponto alto desse fenômeno que atraiu a atenção de investidores e empresas ao longo de 2021 e no início de 2022. Seria o novo Eldorado, a lenda indígena de uma cidade inteiramente de ouro que atraiu inúmeros interessados ao longo do tempo?
Bom, não precisou passar muito tempo para que essa terra dourada mostrasse uma de suas principais características: a volatilidade. Em junho, cinco meses depois, o valor total desses dois ativos caiu 87%, passando a ser cotado a R$ 800 mil — um prejuízo de R$ 5,4 milhões. É bem capaz de Neymar não se importar com isso por entender o real significado dessa proposta. Mas muitos investidores contabilizam os prejuízos nas últimas semanas.
Não são poucos os que entraram de cabeça no mercado dos tokens não fungíveis. Aqui no Brasil, por exemplo, mais de 5 milhões de pessoas possuem ao menos um NFT, seja em jogos eletrônicos, seja em outras plataformas, segundo o estudo Digital Economy Compass 2022, da Statista. Somos o segundo país em números absolutos, atrás apenas da Tailândia, mas à frente de mercados digitais mais consolidados, como Estados Unidos e Canadá.
A curiosidade, a inovação e a digitalização são importantes fatores de atração, não há dúvidas. Mas o que fez grande parte dessas pessoas se interessar por este tipo de token foi o alto volume de negociação. O universo cripto, como um todo, chamou a atenção de investidores experientes e iniciantes pela valorização dos principais ativos. No caso dos NFTs, esse nicho movimentou incríveis US$ 40 bilhões ao longo de 2021, segundo levantamento da Chainalysis.
A questão é que os tokens não fungíveis são ativos que representam experiência, influência e senso de pertencimento. Como o nome sugere, representa algo único em sua versão digital e criptografada. Músicas, artes digitais, imagens, entre outros bens imateriais ganham espaço dentro desse modelo. A tecnologia blockchain protege o direito autoral com o smart contract e facilita sua distribuição entre consumidores e, principalmente, colecionadores.
Ou seja, o objetivo principal é promover essa vivência (ou engajamento, para usar um termo da moda na transformação digital) que une criadores e seus públicos. Quem adquire um NFT o faz com o intuito de ter algo para se orgulhar. Quem compra como um ativo financeiro, com interesse de revenda em uma possível valorização, provavelmente vai morrer com ele em mãos.
É igual ao mercado de artes. A pessoa que adquire um Picasso quer expor o quadro, apreciá-lo e divulgá-lo para seus familiares e amigos.
Pode revender no futuro e ganhar com uma possível valorização? Sim, mas essa não é a ideia central.
O segmento de NFTs vive uma bolha especulativa como tantas outras que ocorreram ao longo do tempo — e que está prestes a estourar.
O total de transações desses tokens caiu 47% no primeiro trimestre de 2022 em relação ao trimestre anterior (outubro a dezembro de 2021), segundo dados da plataforma NonFungible.
Mesmo assim, o volume financeiro até abril de 2022 já beirava US$ 30 bilhões, segundo a Chainalysis — bem próximo do total negociado em todo o ano passado. Isso, porém, ocorreu graças a picos de negociações que movimentaram valores bem acima da média semanal. Se em 13 de fevereiro de 2022 as transações beiravam US$ 3,9 bilhões, um mês depois já tinham caído para US$ 964 milhões.
Os indicativos estão claros, mas, como em toda bolha, observa-se uma forte tendência de marketizar em vez de monetizar e conscientizar.
Ou seja, transacionar o máximo de dinheiro possível em vez de garantir o maior entendimento sobre o tema e promover negócios verdadeiramente de valor para os usuários. No fim, quando esse boom passar, os NFTs irão entregar a única coisa que podem: a experiência e o senso de pertencimento.
Não há problemas em enxergar os NFTs como fontes de investimento. Entretanto, é fundamental entender quais, de fato, prometem entregar retornos financeiros e quais são utilizados com outros propósitos. Não faltam opções em um cenário em que a tokenização avança a passos largos, transformando bens físicos em digitais. Até porque, quando a bolha dos NFTs secar, ficará clara a diferença entre os ativos digitais que representam operações e aqueles que representam apenas experiências.
Fonte: Exame