Se aproxima uma mudança estrutural de grande magnitude na gestão de ativos de terceiros.

Para quem acompanha as inovações que estão ocorrendo no mercado financeiro tradicional e suas tendências mais recentes uma que aparece constantemente, e pode-se até dizer que há uma hype em relação à ela, é a de tokenização de ativos.

Inúmeras declarações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vários projetos dentro dos sandbox do BC e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), além das inúmeras iniciativas no mercado local e internacional demonstram isso de maneira inequívoca.

Para quem quiser entender melhor do que se trata, sugeriria acompanhar o que as fintechs brasileiras LIQI, BlockBR, Ntokens, Netspaces e a internacional Solidblock estão fazendo nesse sentido. No meu canal do youtube tem uma playlist onde você pode encontrar mais sobre essas e muitas outras fintechs.

Bem, tomando a tokenização de ativos como um tendência com tração enorme e que já está acontecendo, o que isso muda na gestão de dinheiro de terceiros? Trabalhei por mais de 20 anos como gestor de fundos no Brasil e estou há pelo menos oito investindo, trabalhando e interagindo com esse ambiente de blockchain/cripto e tudo que posso dizer é que as mudanças que se apresentam são enormes.

A indústria de fundos de investimento, ETFs inclusos, é onde está um percentual enorme dos investimentos do mundo e é uma indústria bastante consolidada em termos de regras, regulação e formato.

Em toda jurisdição que conheço a atividade de gestão de recursos de terceiros é regulamentada e requer registro e consequente aprovação por parte do regulador. Algumas jurisdições permitem exceções, limitando número de clientes e patrimônio administrado, mas isso está cada vez mais raro. A regra é: se administra dinheiro de terceiros, tem que ser regulado.

E para isso é obrigatório que se tenha um terceiro responsável por KYC/AML, para garantir que o dinheiro que está vindo é idôneo, um administrador, que fará o cálculo da cota e administrará o passivo do fundo (investimentos dos clientes separados, extratos mensais, etc…), um custodiante, que garante que os ativos estejam seguros e segregados de outras entidades e um auditor. Isso para citar um fundo mais padrão. Se formos para fundos mais complexos como FIDC e fundos imobiliários outros agentes são necessários.

Todo esse arcabouço, e os custos externos e internos decorrentes dele, faz com que o patrimônio mínimo para se ter um fundo operacional seja não inferior a US$ 10 milhões, um valor que vai na ponta contrária ao movimento de começar pequeno para depois ir crescendo com o sucesso.

Bem, mas qual a grande mudança que a tokenização nos traz?

Para explicar melhor vou colocar aqui o caso de uma iniciativa em cripto no campo da gestão de recursos, a ENZYME. Através dela é possível criar um Vault (que podemos simplificar como sendo um “fundo”) com as características que quiser, incluindo, mas não limitado a, taxa de administração e performance, taxa de saída, prazo de saída, aberto ao público ou limitado a investidores conhecidos e ativos permitidos para aplicação e resgate.

Esse Vault emite um token (“cotas do fundo”) que tem seu valor de mercado atrelado a todos os ativos que ele contém. O investidor do “fundo” recebe esse token que é sua “cota” e pode custodiá-lo na sua carteira, assim como o faz com Bitcoin (BTC) ou Ether (ETH). Para fazer tudo isso a plataforma cobra 0,25% sobre o valor gerido e nada mais.

Em termos de gestão, esse fundo pode comprar vários ativos (tokens) dentro da rede Ethereum negociando através das DEX (exchanges descentralizadas) e tem todos seus ativos, cálculos e até o token das “cotas do fundo” on-chain, o que significa que há total transparência sobre seus ativos e preços. O valor do token da cota pode ser visto por qualquer pessoa a qualquer segundo que ela quiser, ou seja, consigo saber online quanto vale o meu investimento, não precisando esperar o dia seguinte para ver qual o valor da cota do fundo no caso brasileiro, ou o mês seguinte como é o usual com muitos fundos americanos.

Outro ponto interessante é que a negociação no mercado secundário do token referente às “cotas do fundo” é nativa da blockchain publica, o que faz com que esse token nasça com atributos dos ETFs, ou seja, possa ser negociado no mercado secundário, assim que criado. Apesar disso ser nativo, há aqui um fator de AML/KYC que precisaria ser observado, mas que poderia ser endereçado via regulamentação e limitação de negociação em algumas plataformas somente e não totalmente livre, entre outras sugestões.

Isso tudo é espetacular, mas ainda não acabou! A criação desse “fundo” na plataforma da enzyme não demora mais do que o tempo necessário para que você defina os parâmetros que quer. No caso do que criei, e vou deixar no fim desse artigo os dados dele para verem, esse processo demorou 15 minutos.

Acabei não mencionando o tempo necessário para se criar um fundo no mercado financeiro tradicional, que pode ir de algumas semanas, se você já tem a estrutura da gestora definida e o país onde esse fundo estará, a alguns meses, caso vá começar tudo do zero. Por experiencia própria posso dizer que é quase impossível deixar tudo operacional em menos de 6 meses. Aqui fiz tudo em 15 minutos!

Bem, resumindo, através dessa plataforma eu já consigo (destaque para o Já!) criar um “fundo de investimentos” (ou seria melhor defini-lo como ETF?) em 15 minutos com cálculo de cotas a cada segundo, com transparência total sobre os ativos (o que o torna automaticamente auditável) através do qual consigo gerir uma carteira de tokens, com custo praticamente zero. Incrível, não?

Ao começar a analisar esse caminho de gestão on-chain de ativos (tokens), que acredito ser o futuro da gestão de ativos, dado que tudo será tokenizado, me deparei com inúmeras iniciativas que já estão testando modelos os mais diversos.

Syndicate, por exemplo, já até auxilia na estrutura jurídica necessária para ficar acima do token da “cota” do fundo. A Nested é outra que está atuando nesse seguimento. No Brasil temos a PODS, a PICNIC e a AMFI, essa última dentro do programa NEXT do BCB que tenho o prazer de ser um dos mentores, são exemplos que tangenciam, de uma forma ou de outra, o que descrevi acima.

Agora imagina isso quando tivermos tudo tokenizado? Títulos públicos, ações, imóveis, dinheiro. Como ficarão todos esses intermediários existentes hoje? Uma das grandes promessas de blockchain é a de eliminar intermediários e esse caso da gestão de ativos é emblemático e não tenho dúvidas que a utilização dessa tecnologia mudará essa indústria profundamente.

Como sempre, quando mais busco informações mais dúvidas surgem e aqui divido algumas com vocês. Transparência total na gestão de ativos pode não ser o melhor para os gestores, principalmente os grandes, pois poderia gerar muito front running. Há formas de resolver isso mantendo tudo on-chain?

Todas plataformas que testei limitam os ativos que podem ser comprados, seja por conta do custo dos cálculos on-chain ou das fontes de preço dos ativos (oracles de preço). Como tornar isso ilimitado? Limitação por blockchain também é uma questão. Como emitir um token de “cota” com ativos em várias blockchains? Quando teremos um regulador que aceitará um token desses sendo mais transparente e seguro, mesmo tendo zero intermediários? Como dar transparência para fundos que tenham ativos on-chain e off-chain sem prejudicar a transparência, precificação e auditoria?

Por fim, assim como estamos no início da tokenização de ativos, estamos também no início da gestão de ativos tokenizados com um oceano azul formado à nossa frente. Do alto da minha experiencia e conhecimento atual, me parece que essa onda já está bem formada e é inevitável que ocorra. Portanto se você atua de alguma forma na indústria de fundos de investimentos ou de gestão de ativos de terceiros de uma forma mais ampla, já passou a hora de entender o que é a tokenização de ativos e seus impactos.

Fonte: Infomoney

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